Era uma vez um menino tão antigo quanto o tempo, que fora colocado em um quarto no alto de uma torre por bruxas perversas, em um sono letárgico profundo, hipnotizado e condenado a pesadelos. Seu corpinho se atrofiou, até virar quase pele e osso, suas vestes se reduziram a trapos, e só vivia porque as borboletas haviam se compadecido dele e lhe depositavam néctar nos lábios, para que em seus sonhos, o menino pudesse se alimentar.
Um dia, seus sonhos se misturaram com um som que subiu até a torre. O som era como uma voz. E o coração do menino bateu mais forte, mais forte, sua respiração ficou ofegante, as boas lembranças de seu passado surgiram em sua mente, e ele começou a ter forças para despertar do sono enfeitiçado. Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu, pois estavam fechados a muito tempo.
Lamentou e chorou desesperado, e o vento que a muito tempo não ouvia o menino, reconheceu-o e trouxe uma revoada de libélulas aguadeiras. E as libélulas trouxeram água, e esta água junto com as lágrimas do menino, restauraram-lhe parcialmente a visão. O menino agradeceu ao seu velho amigo vento, e pediu que lhe dissesse, de onde veio aquele som, aquela voz que deu forças para seu despertar. E o vento falou que a voz vinha da região do desconhecido. O menino perguntou ao vento como chegar lá, e o vento falou que deveria segui-lo. E o menino desceu da torre nas asas do vento, e pôs-se a segui-lo, mas o vento ia e vinha, e as vêzes parava, como é proprio do vento.
E o menino sentiu fome, e vendo belas árvores carregadas de frutas, pediu às árvores que lhe concedessem seus frutos, mas as árvores orgulhosas de sua grandeza não lhes deram ouvidos. Então o menino chorou de fome, e a mãe terra se compadeceu dele e lhe disse que se cavasse a terra ela lhe daria alimento. E o menino cavou o seio da mãe terra e lá encontrou tubérculos que o alimentaram. E o menino seguiu seu caminho, em zigue zague, rumo ao desconhecido, seguindo o vento.
E ele foi, imaginando o que encontraria, qual seria a origem daquela voz, se uma fada, um anjo, ou outra criatura celestial. E o menino andou tanto, que suas vestes já rotas se desfizeram. Então ele juntou feixes de junco e fez novas vestes, e o vento trouxe chuvas, e o menino se banhou e ficou limpo. Suas vestes de junco eram rígidas, e o menino assemelhava-se a um guerreiro vestido de armadura. Ao chegar ao local de origem o menino viu com surpresa uma menina, tão suja, magra e faminta quanto ele. Parecia feliz e livre, mas estava amarrada a grilhões em uma das pernas, e embora pudesse se movimentar, pular, brincar, e cantar, seus movimentos eram limitados. Se alimentava com estranhos alimentos, como parafusos e pedriscos que a machucavam por dentro.
A menina viu o menino e gostou dele, mas não falavam a mesma língua, e o menino não entendia as canções que a menina cantava. E ele ficou ali a tentar entender as canções, e repeti-las, e entoá-las.
A menina ao ver alguém repetindo suas canções olhou mais detidamente para o menino. Nas suas memórias haviam lembranças de descrições de guerreiros, e ao ver o menino vestido em rígidas vestes de junco, pensou que fosse uma armadura, pensou que o menino fosse um guerreiro, mas era só um menino...
E o menino se aproximou dela, e tentou falar com ela, mas ela não entendeu. Então ele apontou para os grilhões, e com a água da chuva que o vento lhe trouxe, tentou limpar os ferimentos da
menina, junto aos grilhões. E embora tivesse proporcionado alívio à menina, os ferimentos estavam contaminados e continuavam a sangrar. E viu que havia um buraco nos grilhões de formato singular, e lembrou ter visto a menina comendo um objeto com aquele formato.
Tentou em vão comunicar à menina que ela deveria vomitar o que comeu, pois talvez aquele objeto soltasse os grilhões...
Mas a menina não entendeu.
menina, junto aos grilhões. E embora tivesse proporcionado alívio à menina, os ferimentos estavam contaminados e continuavam a sangrar. E viu que havia um buraco nos grilhões de formato singular, e lembrou ter visto a menina comendo um objeto com aquele formato.
Tentou em vão comunicar à menina que ela deveria vomitar o que comeu, pois talvez aquele objeto soltasse os grilhões...
Mas a menina não entendeu.
Então o menino tentou com a força, romper os grilhões, pediu ajuda ao vento, à mãe terra, aos pássaros, às flores, e aos seus amigos da natureza, mas ninguém tinha forças para romper tais correntes.
Desolado, o menino chorou. Ao ver tanta tristeza, a menina se aproximou e tentou limpar as lágrimas do menino, mas ele com um gesto carinhoso, não permitiu.
E o menino desejou ardorosamente ser um deus, um titã,
um mago para romper os feitiços de tão poderosos grilhões, e combater os demônios que fortaleciam os elos de tão rígidas correntes, e realizar seu sonho de libertar a menina.
Mas era só um menino...
By Daniel de Castro -Brasilia, abril de 2001
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